segunda-feira, 31 de agosto de 2009

58 - XADREZ EM TRAJANO DE MORAES


Escola leva ouro em criatividade


Xeque-mate nas dificuldades: alunos de cidade pobre são tetra em xadrez

Tabuleiros improvisados, feitos de cartolina e papelão, e tampinhas de garrafas PET foram suficientes para levar estudantes de uma escola pública ao lugar mais alto do pódio. Em Trajano de Moraes, a 220 quilômetros do Rio, filhos de agricultores deram xeque-mate nas adversidades e se tornaram tetracampeões estaduais de xadrez, por equipes, no feminino, nas Olimpíadas Escolares do Estado do Rio de Janeiro.
No pátio da Escola Estadual Maria Mendonça, é comum ver os alunos praticando o esporte, que virou sinônimo de vitória em Trajano. Nas Olimpíadas Escolares deste ano, os meninos conquistaram o título na faixa etária de 12 a 14 anos, após três vice-campeonatos consecutivos. Já as meninas, tetracampeãs entre 2005 e 2008, ficaram em segundo lugar. Brilhou, porém, a estrela de Quézia Coelho Muller, 14, medalha de ouro no individual feminino.
Filha de lavradores, a estudante pretende ser bicampeã. “Meu sonho é representar o Rio no campeonato nacional”, avisa a estudante do 8º ano.
Entusiasmado com o desempenho da garotada, o técnico e professor de Língua Portuguesa e Educação Física Nilton César Riguetti, 42 anos, sonha cada vez mais alto. “Estamos no meio do mato, em plena zona rural, mas isso não impede a gente fazer da cidade o primeiro polo de xadrez do interior do estado”, diz. Para realizar o sonho, o professor tenta sensibilizar grandes empresas em busca de patrocínio. “Uma prova de que o esporte mudou a rotina da região é que os alunos foram homenageados na Câmara de Vereadores”, completa.
As sucessivas conquistas renderam frutos. Em julho, Furnas Centrais Elétricas inaugurou o Telecentro Comunitário Xeque-Mate, com 10 computadores conectados à Internet por banda larga. A estatal informou que a biblioteca Arca das Letras completa o Furnas Digital, programa voltado para comunidades de baixa renda. “Graças ao jogo vi o mar pela primeira vez na minha vida, quando fui ao Rio representar a minha escola nos Jogos Estudantis”, revela Lucas Malavares da Silva, 11, aluno do Ensino Fundamental.
O apoio também veio do poder público. A prefeitura doou 12 tabuleiros e peças em tamanho oficial. Na escola, três mesas de concreto foram construídas para oferecer mais comodidade aos desportistas. “Tivemos que melhorar as instalações após tantas conquistas”, reconhece Joailda Rezende, diretora do colégio onde estudam 150 alunos — deles, 70% são enxadristas. “Não há como negar que a concentração e o raciocínio lógico dos alunos melhoraram, em particular na interpretação de problemas”, observa o professor de Matemática Joaquim Otávio Figueira.
Em 2005, o governo federal lançou o ‘Xadrez nas Escolas’ com distribuição de kits — tabuleiros, peças e manual de instruções — que nunca chegaram a Trajano de Moraes. O Ministério do Esporte informou que está em formação grupo de trabalho com entidades ligadas ao esporte para lançar plano de desenvolvimento do xadrez como atividade educacional.

FEDERAÇÃO PÕE CIDADE COMO SEDE DE TORNEIO

A performance dos estudantes no tabuleiro atraiu a atenção da Federação de Xadrez do Rio de Janeiro (Fexerj). Desde o ano passado, o presidente da entidade, Ricardo Barata, incluiu Trajano de Moraes no calendário oficial, onde é disputada uma das 14 etapas do campeonato do interior: “Trajano e Petrópolis são, hoje, os principais polos do esporte fora da capital”. Segundo Barata, a garotada precisa ser estimulada a pensar. “Temos muitas atividades para exercitar os músculos. Às vezes esquecemos de praticar a ginástica da mente”.

DENTRO DE TRAJANO

MENOR DO ESTADO
Trajano é o menor município do estado, com 592,9 km² e 10 mil habitantes. Pelo Índice Firjan, foi o pior em emprego e renda. Mas foi o 3º que mais evoluiu em educação.

SEM CELULAR
A zona rural de Trajano de Moraes tem cerca de 500 moradores. Na região, a 655 metros de altitude, não há sinal para celular nem telefone público.

INTERNET
A chegada da Internet mudou o hábito dos jovens da Escola Maria Mendonça. A maioria não sabia navegar na rede, tampouco operar um computador. Orkut e MSN já estão entre as ferramentas mais acessadas.

"Publicado no jornal O Dia, em 30.08.2009, pelo jornalista Ricardo Albuquerque"

É muito gratificante vermos que, em lugares onde não há apoio financeiro, onde os recursos são escassos, também é possível se fazer um trabalho que rende bons frutos. Às vezes, as pessoas, no mundo do xadrez, ficam focadas em eventos com 200 pessoas, repletos de GMs e MIs. Claro que isso é importante, mas também é importante o ensino da arte de Caissa, com desprendimento total. Vamos refletir mais sobre este aspecto!

5 comentários:

Migueis disse...

Marco e demais!
Esta reportagem foi realmente muito boa. O professor de Trajano é um batalhador e merece de todos nós o devido aplauso.
M.

Marcelo disse...

Pois é Migueis. Fim do mes tem o regional. Allez! Allez!

Marco Coutinho disse...

Migueis, achei a matéria muito interessante e um exemplo para todos os educadores de xadrez.
Bem, Marcelo, espero ver in loco este grande trabalho em Trajano.

PROFESSOR NILTON RIGUETTI disse...

Nosso trabalho é o início de um projeto que tem tudo para dar certo. Uma questão social está implícita no projeto e nosso objetivo é que essas crianças possam evoluir no jogo e na vida.
Não temos a qualidade para o jogo profissional, a bom nível , mas estamos elevando a auto-estima de crianças que teriam poucas chances. Obrigado pela divulgação que poderá ajudar a trazer patrocínio para que contratemos profesores de xadrez para um trabalho mais profundo.
Um abraço,
Nilton César Riguetti.
Trajano de Moraes

PROFESSOR NILTON RIGUETTI disse...

Nosso trabalho em Trajano está apenas começando. Não temos ainda grandes jogadores. O que estamos fazendo é elevar a auto-estima dessas crianças. Nosso objetivo é transformar nosso projeto em atividade social. Obrigado pela divulgação que poderá dar maior visibilidade para nossa luta e talvez ajudar a conseguir patrocínio para contratarmos um professor de xadrez.
Um abraço.
Nilton César Riguetti.